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Como apoiar a motivação de estudantes negros em sala de aula?
14 | nov | 2023Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio – IBGE (2019), cerca de 70% dos jovens que abandonaram a escola são negros (pretos e pardos). Esse dado alarmante revela como o racismo impacta negativamente também o contexto escolar, manifestando-se em posturas, linguagens e práticas escolares que reforçam preconceitos. Neste artigo, vamos discutir sobre como apoiar a motivação de estudantes negros com o objetivo de promover sua aprendizagem.
Para começar, é importante destacar que a falta de motivação para permanecer na escola é um problema real. Segundo dados da pesquisa citada, a falta de interesse representa o segundo maior motivo pelo qual os jovens abandonam a escola (29%). Muito mais do que um desinteresse pessoal, no entanto, esse número também revela como a escola pode estar distante da realidade de alunas e alunos, sem promover um ambiente acolhedor e sem fazer com que estudantes se sintam pertencentes a ela.
Em um recorte étnico-racial, essa situação pode ser ainda mais complexa, afinal, a escola como conhecemos hoje foi construída nos moldes de um colonialismo escravista, que tem concepções eurocêntricas. Isso significa que, desde a configuração espacial dentro da escola, passando pela formação profissional do corpo docente, pelos materiais didáticos, pelo calendário, pelos discursos, pelo código estético, e chegando às práticas cotidianas, existe uma referência de modelo cultural: o branco europeu (SANTOMÉ, 1995).
Chamamos essa valorização do conhecimento das populações brancas europeias e norte-americanas em detrimento do protagonismo de populações negras, como os povos africanos, de epistemicídio. Você já conhece o conceito?
O que é epistemicídio?
A epistemologia é uma ferramenta para a compreensão do conhecimento produzido pelas sociedades através dos métodos científicos e dos saberes filosóficos. Já o epistemicídio é um conceito que identifica a eliminação do protagonismo dos povos africanos nas diversas áreas do conhecimento e das ciências. No processo de colonização, para justificar e sustentar por séculos a escravização de pessoas negras, a cultura e os saberes africanos foram inferiorizados, e o sujeito negro teve sua humanidade negada.
O epistemicídio se manteve e se atualizou ao longo do tempo, assim como outras estratégias que perpetuam o racismo estrutural.
Diante dessa realidade, fica a reflexão para todos os atores educacionais: como estudantes negros podem se sentir motivados a aprender em um ambiente ao qual não se sentem pertencentes? Pesquisas mostram que os baixos índices relacionados aos estudantes negros perpassam todo o ciclo de ensino da Educação Básica, da Educação Infantil ao Ensino Médio.
Desse modo, é fundamental uma perspectiva antirracista para promover mudanças que apoiem a motivação e a sensação de pertencimento de estudantes negros no contexto escolar. A seguir você vai conhecer os elementos intrínsecos à motivação que influenciam a aprendizagem de todos os alunos e, no tópico seguinte, como esses fatores podem ser aplicados com o objetivo de promover a equidade étnico-racial em sala de aula.
PACS: os elementos da motivação para aprender
Os elementos da motivação formam a sigla PACS: Pertencimento, Autonomia, Competência e Significado. Nos tópicos a seguir, você vai conhecer cada um deles.
- Pertencimento: os estudantes se sentem motivados quando têm um sentimento de conexão e desenvolvem relações com o conhecimento, com as pessoas da comunidade escolar e com o próprio espaço, e são tratados com respeito e encorajados a trabalhar colaborativamente.
- Autonomia (independência percebida): na medida em que são encorajados a reconhecer, endossar e regular seus objetivos ou comportamentos, os estudantes se sentem capazes de tomar decisões sobre o seu desenvolvimento e atuam como protagonistas do seu processo de aprendizagem.
- Competência: os estudantes tendem a se engajar em tarefas quando se sentem confiantes na sua capacidade de realizá-las. A partir do momento em que focam o desenvolvimento de uma competência, eles desenvolvem Mentalidade de Crescimento, o que aumenta sua disposição para buscar novos desafios e assumir novos riscos.
- Significado: nem sempre saber fazer uma atividade é sinônimo de ver sentido em realizá-la. Por isso, algumas teorias pressupõem maior envolvimento dos estudantes numa atividade quando eles atribuem a ela um significado pessoal, o que a torna interessante, relevante e útil.
PACS na perspectiva da educação antirracista
Como falamos anteriormente, o racismo estrutural impacta o processo de aprendizagem de alunas negras e alunos negros. Os elementos de motivação, quando aplicados em uma perspectiva antirracista, buscam garantir, intencionalmente, que estudantes negros se sintam incluídos desde o planejamento até a realização das aulas. Vamos conhecer como isso funciona na prática?
Pertencimento para motivação de estudantes negros
O primeiro passo para aumentar o pertencimento de crianças e jovens negros é combater as violências que podem acontecer no ambiente escolar. É preciso enfrentar todo e qualquer tipo de racismo e discriminação, inclusive o racismo recreativo.
Além disso, observar como as relações de poder estão dispostas nos materiais didáticos é imprescindível para conseguir trabalhar a partir de uma perspectiva decolonial. Muitas vezes, em textos e imagens, os corpos negros são apresentados de forma negativa enquanto corpos brancos são símbolo de beleza. Essa abordagem afeta a subjetividade e a percepção de pessoas negras.
Em contrapartida, a escola deve realizar ações efetivas, como trazer elementos da cultura negra aos espaços; identificar temáticas, músicas, personagens do interesse dos estudantes para integrá-los às atividades; e valorizar o conhecimento ancestral de povos africanos e indígenas. Essas intervenções estão alinhadas com a Lei nº 10.639/03, que tornou obrigatório o ensino, em todos os níveis, da história e da cultura afro-brasileira.
Esses fatores juntos podem ajudar a gerar no estudante negro um sentimento de orgulho e pertencimento a essa escola, que valoriza pessoas negras e seu papel na produção de conhecimento mundial.
Autonomia para incentivar o protagonismo
O primeiro exercício para incentivar a autonomia de estudantes negros é validar suas questões culturais, históricas, sociais e cognitivas. É importante também possibilitar uma aproximação crítica do conhecimento, de forma a conectar os conteúdos escolares às vivências socioculturais dos estudantes negros.
Em um contexto de racismo estrutural, em que há muitos estereótipos em relação a pessoas indígenas, pardas e pretas, torna-se imprescindível ver essas crianças e esses jovens como capazes, como sujeitos, confiar a eles atividades complexas, chamá-los mais vezes à frente da sala, valorizar seu saber diante dos demais alunos e alunas, elogiar mais e punir menos, de forma que esses estudantes se sintam mais seguros.
Competência para incentivar a aprendizagem
Muitos dos estereótipos, inclusive, rotulam pessoas negras como menos capazes de aprender. Trazer referências de autores, pesquisadores, cientistas e outros profissionais negros, portanto, auxilia na construção da autoimagem e do senso de autoeficácia de estudantes negros, promovendo aspectos da sua autoestima intelectual.
Essas referências são não apenas para alunas e alunos negros, mas para professores e estudantes brancos, para que aprendam a valorizar essas referências, mudando seus discursos e práticas eurocêntricas.
Por fim, destacar o progresso e o esforço desses estudantes em suas produções também apoia o sentimento de competência deles.
Significado para ir além da escola
Nos materiais didáticos, é importante atentar para que haja a representação de pessoas negras associada à riqueza de outros aspectos da história e da cultura africana e afrobrasileira, em vez de conectá-las apenas a situações de colonização, escravidão, racismo, pobreza, doenças e estereótipos.
Isso permite que os estudantes negros consigam encontrar importância, relevância e utilidade naquilo que está sendo apresentado, já que se desliga da perspectiva da discriminação. Além disso, é indispensável levar elementos da sua cultura como materialização do que está sendo ensinado para que os estudantes encontrem significado pessoal no seu processo de escolarização.
Promovendo equidade racial em sala de aula por meio da Diferenciação Pedagógica
Os elementos da motivação (PACS) em uma perspectiva antirracista são abordados na solução Diferenciação Pedagógica: Práticas para Garantir que Todos Aprendam, na qual os educadores aprendem estratégias, rotinas e conhecem instrumentos que funcionam como forma de engajar todos os alunos da escola – em especial os estudantes negros – para alcançar a equidade étnico-racial e a melhoria da aprendizagem de todos os alunos. O produto funciona assim:
Os educadores participam de uma trilha formativa híbrida de 80 horas; nosso ambiente virtual tem todos os materiais de estudo organizados e diversificados, e as oficinas presenciais garantem o entendimento prático das estratégias de Diferenciação Pedagógica. Além disso, assessoramos as equipes técnicas da Secretaria para garantir uma boa gestão da mudança.
Além do PACS, outras estratégias trazidas na solução buscam contribuir com a construção de uma educação antirracista, que se preocupa com a aprendizagem de estudantes negros.
Por meio desse produto, a equipe docente é formada para:
- Conhecer as principais referências da educação antirracista
- Identificar as principais questões que envolvem a promoção da equidade étnico-racial no contexto escolar
- Entender os elementos da motivação dos alunos: pertencimento, autonomia, competência e significado (PACS), considerando uma educação antirracista – um pouco do que vimos por aqui!
- Identificar o potencial da curadoria e seleção de materiais didáticos afrocentrados para combater o epistemicídio.
Em uma aplicação piloto, 9 em cada 10 cursistas concluintes perceberam mais aprendizagem dos alunos ao aplicar as estratégias do curso. Quer conversar com a gente para conhecer mais sobre a solução? Mande-nos uma mensagem!