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Formação docente: é preciso ir além do uso instrumentalizado da tecnologia
29 | maio | 2023A tecnologia tem desempenhado um papel cada vez mais significativo no campo da educação, oferecendo novas oportunidades e participando da forma como os estudantes aprendem. Ao integrar a tecnologia de maneira adequada, os educadores podem potencializar a experiência de aprendizado, promovendo engajamento, colaboração e criatividade. Neste artigo, Keila Visconti, cofundadora e CEO da Sincroniza, discute sobre os benefícios da tecnologia na educação e fornece recomendações práticas para seu uso eficaz.
Eu comecei a trabalhar com formação de professores para o uso de tecnologias em 2014. Você se lembra como usávamos a tecnologia há quase 10 anos? E-mails, smartphones, redes sociais já existiam. Ainda assim, nada dessas coisas continuam as mesmas, nem nossa relação com elas, concorda?
Lá em 2014, a Sincroniza ainda não existia, era só uma sementinha – como costumo dizer. Foi a partir das experiências com a formação de docentes para o uso de tecnologias, vivenciadas na Fundação Lemann, que pude aprender e aprimorar o que viria a ser a nossa missão: sincronizar redes de ensino, escolas e professores em relação a novas práticas e processos para promover mais aprendizagem dos estudantes, por meio de formações e implementação de projetos educacionais. Com esse trabalho, eu, Ana Paula e um timaço que nos ajuda a levar a Sincroniza cada vez mais longe, já alcançamos mais de 4,5 milhões de estudantes e mais de 240 mil professores espalhados por todo o país.
Pois bem, há 10 anos, a realidade era a seguinte: nas formações presenciais nós precisávamos reservar um tempo e ter uma “estação” para criar e-mails para os professores. Alguns não tinham, outros tinham, mas não se lembravam do login e/ou da senha, porque eram os filhos ou netos que haviam criado. Como não era possível fazer a experimentação de plataformas educacionais como a Khan Academy sem essas informações, era necessário esse momento inicial. Hoje em dia não ter um e-mail se tornou uma exceção dentro das formações; a maior parte das participantes e dos participantes já possui seu “endereço eletrônico”.
Quando a pandemia chegou, não teve jeito. Em 2020 os professores foram impelidos a dar um salto tecnológico para se aproximar dos alunos de alguma maneira, e até quem não fazia questão de utilizar tecnologias precisou fazer um uso instrumental dela. Plataformas como Zoom, Meet, Padlet etc. se popularizaram e a pressa era tentar fazer com que os docentes soubessem utilizar minimamente esses recursos de uma forma mais emergencial mesmo.
Não tem aquele ditado que diz que “tudo demais é veneno”? Do lado de quem realiza as formações, achamos que esse salto tecnológico despertaria somente mais interesse na comunidade pedagógica para o uso de tecnologias a favor da aprendizagem, mas a realidade é que todo esse uso obrigatório e não planejado deixou um grupo de docentes estafado e com uma grande aversão às tecnologias. Chegamos a ouvir: “Nunca mais quero usar um computador!”.
Em um país como o Brasil, não podemos fechar os olhos para tantas realidades diferentes. O impacto desse salto tecnológico teve efeitos distintos em cada contexto. Portanto, é fundamental ter o diagnóstico de cada região/escola, como o CIEB realiza, para compreender as nuances e necessidades de infraestrutura, como as que a Mega Edu ajuda a solucionar, e formação docente. Em alguns casos, ainda estamos lá em 2014, em outros, avançamos bem.
Metodologias Ativas, nossas aliadas na formação
Com o tempo, fomos percebendo que existem docentes que ainda encaram o uso de recursos tecnológicos como recreação ou apenas para fazer pesquisas escolares. Mesmo lá em 2014, por mais que a gente usasse Metodologias Ativas ao formar os professores para o uso de plataformas digitais, fomos percebendo que elas e eles não adotavam estratégias ativas em suas aulas, utilizando metodologias convencionais, em que os estudantes não tinham autonomia nem protagonismo.
Foi então que entendemos que era necessário focar mais as formações em metodologias. É conhecendo e se apropriando de práticas inovadoras que os docentes desenvolvem competências para inserir a tecnologia no dia a dia escolar, indo além do uso instrumental e integrando recursos digitais ao currículo.
Pensando em práticas inovadoras, a Sincroniza desenvolveu uma solução para auxiliar os docentes a lidar com os diferentes perfis de estudantes em sala de aula, ajudando no processo de engajamento desses alunos. Diferenciação Pedagógica: Práticas para Garantir que Todos Aprendam oferece uma trilha formativa aos docentes, com subsídios práticos para a aplicação de estratégias e rotinas que permitem uma tomada de decisão ágil e contínua. Dessa forma, é possível adaptar e ajustar as aulas para buscar garantir que todos os estudantes aprendam, mesmo em um contexto de turmas heterogêneas.
Quando o professor se apropria de metodologias inovadoras, as tecnologias digitais passam a ser inseridas nas aulas de maneira muito mais simples e intuitiva, pois elas contribuem para viabilizar essas práticas pedagógicas mais ativas.
O papel das habilidades e competências
A matriz de competências digitais do Centro de Inovação para a Educação Brasileira (CIEB) colocou no papel essa progressão, que a gente já queria trabalhar na formação docente. Ao desenvolver competências digitais, o professor sai de um nível instrumental de uso de tecnologia e vai fazendo cada vez mais integrações, adicionando camadas de tecnologia digital aos processos educacionais que já existem na escola, entre eles planejamento, avaliação, seleção de materiais, curadoria, mediação etc.
Em todas as áreas dessa matriz (pedagógica, cidadania digital e desenvolvimento profissional) vai acontecendo esse movimento de caminhar para um uso intencional de recursos digitais. E é a partir desse uso intencional da tecnologia que se torna possível desenvolver as habilidades necessárias dos estudantes, potencializando o processo de ensino e aprendizagem.
Hoje, quando falamos de Educação Básica, uma das grandes discussões é o desenvolvimento de habilidades e competências. O processo de ensino-aprendizagem deve ser orientado para ajudar os estudantes a desenvolverem essas habilidades, a fim de que eles saibam lidar com os desafios e as oportunidades do século XXI.
Para que os alunos se desenvolvam nesse sentido, é preciso que os professores saibam mediar essa aprendizagem. Por exemplo, pesquisar sempre foi uma habilidade necessária no processo de ensino e aprendizagem, concorda? Mesmo sem o Google, era essencial encontrar as respostas em enciclopédias e nos livros de maneira geral.
Agora temos um incremento. Além de pesquisar, é imprescindível analisar. Temos todas as informações na palma da mão, mas é preciso saber distinguir o que é verdadeiro e confiável do que é falso e equivocado, relacionar os fatos e entender como eles impactam o nosso cotidiano. E só é possível atender a essa demanda utilizando as tecnologias de maneira crítica, e não somente instrumentalizada.
É fundamental que os educadores promovam uma cultura de uso responsável da tecnologia, ensinando aos alunos ética digital, segurança na internet e habilidades de pesquisa crítica. Dessa forma, eles poderão utilizar a tecnologia de maneira consciente, aproveitando os benefícios enquanto evitam riscos e problemas que estão associados ao uso inadequado.
Além disso, a popularização das inteligências artificiais mostrou quanto esse processo é essencial. Ao pedir textos ao ChatGPT, por exemplo, ele pode, por enquanto, te apresentar um texto sem referência nenhuma, que ele mesmo fez, ou usar fontes seguras e confiáveis. Isso escancara não só a necessidade desse uso crítico e responsável de tecnologias digitais pelo professor, como a possibilidade desse docente de assim desenvolver isso com os estudantes. Nesse caso, estamos falando de desenvolver competências de cidadania digital, aspecto fundamental para um uso adequado das tecnologias.
A AI tem um potencial de ensino personalizado incrível. Na conversa com CEO da Open IA, organizada pela Fundação Lemann, no dia 18/05, no Rio de Janeiro, foram apresentados exemplos de tutores-robôs que podem ser experts em diferentes assuntos e acompanhar o desenvolvimento dos estudantes por muitos anos, mas a IA não é capaz de ir além dos dados fornecidos nem imaginar soluções sozinha. O ser humano segue no centro e ele é imprescindível para pensar em intervenções estratégicas que só o ser humano vai poder fazer.
Com tudo isso, quero concluir falando de três pontos importantes na formação docente para o uso de tecnologias digitais.
O primeiro é que a formação não pode ser só instrumental. A instrumentalização é um passo importante, mas somente o primeiro. Quando se para nele, a tecnologia perde o sentido intencional que pode ter para contribuir com a aprendizagem dos alunos. A tecnologia por si só não é capaz de “salvar a pátria” dos problemas educacionais. O que ela pode fazer é, na verdade, aprimorar os processos que existem para torná-los mais assertivos e eficientes, principalmente, na aprendizagem dos estudantes.
Segundo, é muito mais construtivo quando o processo de aprender é realizado em conjunto. Hoje, pode-se ter uma ideia de que “ah, é só o professor pesquisar por si só e aplicar, que dá certo”. No entanto, a realidade mostra que é muito mais efetivo quando a escola ou a rede de ensino entra nisso de forma estruturada, prepara uma formação, cria um grupo de estudos, demonstra a prioridade legítima desse assunto, dá abertura para avançar com ideias inovadoras, apoia mais os professores em desafios como a infraestrutura e cria um ambiente de aprendizagem entre pares.
Por fim, tudo isso só trará resultados se o docente aplicar o conhecimento na prática. Nenhum curso ou formação pode transformar o dia a dia escolar sem que haja mão na massa, experimentação, entendimento do que funciona na sala de aula. No caso das tecnologias digitais, por exemplo, uma boa prática é testar os recursos e refletir junto com os estudantes sobre o que funcionou e o que não funcionou, incentivando o desenvolvimento das habilidades de análise e de corresponsabilização dos alunos.
De mãos dadas com professores mediadores e alunos no centro, o uso intencional e integrado da tecnologia ao currículo, se torna um poderoso aliado na busca por uma educação mais engajadora, inclusiva e preparatória para o futuro que já chegou.